Resenha: O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishiguro

16:35


Faz um bom tempo que eu não escrevo nenhuma resenha, e eu não saberia dizer exatamente o porquê. É verdade que fui acometido por essa síndrome dos smartphones e acabei passando a ler menos do que de costume, mas também é verdade que me faltava a vontade de parar para isso. Hoje eu tive vontade de fazer isso, e é por conta do quanto me tocou o final de O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishiguro.

Para começar, esse é um livro que me encantou pela capa na primeira vez em que o vi, mas era a edição da Intrínseca, ainda no Brasil. Não comprei naquele momento, mas anotei mentalmente o título e o autor (que já tinha me interessado por conta de Não me abandone jamais, que eu apenas vi o filme e me lavei chorando) para ler em outro momento.

Em agosto de 2017 visitei a Livraria Lello, no Porto, considerada uma das mais belas livrarias do mundo. Paga-se um valor para entrar por conta da quantidade enorme de turistas que a quer visitar por ter supostamente sido a inspiração para a Floreios e Borrões da série Harry Potter, mas esse valor pode ser convertido em um desconto, caso se compre algum livro. Fiquei um bom tempo lá dentro procurando um e, quando encontrei a edição em inglês de O Gigante Enterrado com uma sobrecapa verde com detalhes dourados e a borda das páginas pintadas de preto, sabia que era o escolhido.


Demorei bastante tempo para começar a leitura e, também, para engrenar. A história é consideravelmente lenta, mas eu não diria que esse é um ponto negativo - pelo contrário, o ritmo contemplativo e melancólico é o que a torna o que é. Nossos protagonistas são Axl e Beatrice, um casal idoso que vive em uma comunidade curiosa que divide o interior cavernoso de uma colina em algum ponto da Inglaterra. Em determinada manhã, Axl está do lado de fora, apreciando o nascer do Sol, e começa a pensar a respeito do filho que ele e sua esposa costumavam ter.

A questão é que tanto eles quanto todos os outros habitantes dessa terra são acometidos por um mal que os faz esquecer. Memórias distantes e próximas esvanecem e perdem-se, e ninguém sabe o quê causa esse problema. E é por isso que nenhum dos dois conseguia se lembrar do filho. Mas eles conversam e decidem ir atrás dele, sabendo que ele estava em outro vilarejo, esperando pelos pais.


Esse é o mote que move toda a trama, mas há muito mais nela do que isso. Quando Ishiguro ganhou o Nobel de Literatura, muito falou-se sobre como um escritor de fantasia o tinha conseguido. Mas O Gigante Enterrado não é bem um livro de fantasia. Ele tem elementos fantásticos, algumas criaturas e personagens que poderiam se encaixar no gênero, mas é só. O volume em si tem um andar muito diferente dos livros de fantasia tradicionais e, eu diria, trata mais sobre a relação entre as pessoas do que qualquer outra coisa. Na verdade, o principal mesmo é a relação entre o casal.

No caminho, os dois acabam encontrando e formando um grupo com três outros personagens importantes: Edwin, um jovem saxão que possui uma ferida supostamente causada por um troll, o que quase o fez ser sacrificado pelo seu vilarejo; Winstan, um guerreiro saxão cujo objetivo é matar o dragão fêmea Querig; e Sir Gawain, um antigo Cavaleiro da Távola Redonda, seguidor do Rei Arthur. Cada um deles é interessante à sua própria maneira, principalmente Sir Gawain, e vamos aos poucos descobrindo mais sobre eles e suas motivações.


Axl e Beatrice passam por vários lugares em sua jornada, ainda que eles não saibam bem aonde estão indo. E, conforme passam por vilarejos, monastérios e são atacados por pixies (uma espécie de fada, aparentemente), fragmentos de suas memórias voltam à tona e, depois de descobrirem a causa da amnésia coletiva e a maneira como revertê-la, passam a se perguntar se realmente querem tê-las de volta. Será que seu relacionamento sobreviveria às revelações de quem eram?

Há também muitas referências à mitologia e à história do Rei Arthur, assim como a batalhas entre bretões e saxões. Na verdade, muito da história se baseia na luta entre esses dois povos, e a própria amnésia se revela, por fim, derivada dela. E acabamos também refletindo se não há coisas que fiquem melhor esquecidas.


E quanto ao final... é realmente de cortar o coração. Eu já imaginava aonde a história ia acabar, principalmente por conta do mapa na guarda do livro, que de certa maneira ilustrava a sequência de acontecimentos do enredo. Mas, quando cheguei a esse ponto, esperava algo que sabia que não ia acontecer. E é surpreendentemente triste, ainda que seja possível compreender o que se passou.

O Gigante Enterrado não é uma leitura rápida, mas um livro que deve ser lido aos poucos, refletido a cada página. A melancolia que o toma é muito característica, e é a sensação certa para uma história como essa. É inevitável pensar, depois do fim, no fato de que o que fizemos nos definir, de serem nossas memórias que nos tornam quem somos.

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Título: The Buried Giant
Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Alfred A. Knopf
Nº de páginas: 317
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Nota: 5 de 5 estrelas




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Postado pelo Fabio

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