Resenha: O Vilarejo, de Raphael Montes

17:03


Eu "conheci" o Raphael Montes e mais uma galera que gostava de escrever há muitos anos, em uma saudosa comunidade do Orkut chamada "O Escritor e Sua Sinopse" (com a péssima sigla "OEESS"). Eu já não lembro mais como foi que eu encontrei ela, ou porque decidi entrar, ou qual o motivo para eu ter realmente participado das discussões e tudo o mais. Fato é que eu estava lá, e o Raphael era o moderador.

Só que eu não conheci ele efetivamente - assim como a outros membros da comunidade - até a Bienal do Livro do Rio de Janeiro de 2015. Desde a criação da comunidade, ele já tinha ficado em segundo lugar do Prêmio Benvirá, da Saraiva, mas conseguido mais atenção do que o vencedor com seu livro "Suicidas" (que eu resenhei no meu falecido antigo blog); depois, meteu a cara em tudo quanto é lugar, lançou "Dias Perfeitos" pela Companhia das Letras; ficou internacionalmente famoso; lançou "O Vilarejo" pela Suma de Letras e só fez aumentar em fama, fortuna e glória.

Não que isso importe de todo, é só porque é divertido conhecer a trajetória de uma pessoa sem nunca ter conhecido ela pessoalmente. Mas tive a chance de fazê-lo na Bienal e acabei comprando "O Vilarejo" e conseguindo o autógrafo dele e do ilustrador, Marcelo Damm. Descobri que ele é realmente um cara bem bacana e que com certeza merece o sucesso que vem tendo. Principalmente porque a escrita dele é realmente muito boa, e a criatividade de suas histórias é enorme.

"Suicidas", o romance de estreia dele, é surpreendente e muito, muito violento. O que é algo ótimo, já que dava pra perceber que a intenção era chocar - tem cenas ali sobre as quais eu fico pensando, às vezes, num misto de nojo e deslumbramento. Não é de se surpreender que esse lado mais visceral da escrita do Raphael aparecesse ainda mais pronunciadamente nessa mini-coletânea de contos que é "O Vilarejo".


Na verdade, "O Vilarejo" é um misto entre coletânea de contos e um romance, já que a história é a mesma. O cenário é, obviamente, o vilarejo russo assolado por uma nevasca do título. As personagens são bem variadas, dependendo de que conto você está lendo, mas é interessante a forma como elas viajam entre eles, aparecendo aqui ou ali, com papéis mais ou menos importantes dependendo do destaque que é dado a cada núcleo de pessoas do vilarejo.

Oficialmente o autor informa que o livro pode ser livro em qualquer ordem, mas é difícil fugir do tradicional começo-ao-fim. De qualquer forma, conforme eu li, achei que talvez essa fórmula fosse, em si, a que melhor funciona. Dá, é claro, pra ler em qualquer ordem, mas talvez se perderiam alguns dos elementos mais divertidos do enredo, que são as peças se encaixando pouco a pouco, com a história geral avançando gradativamente até o final. Todos os contos são interessantes, mas os que mais dão satisfação são os mais violentos. Não querendo parecer um psicopata ou algo do tipo, ler uma história dessas é basicamente esperar que o próximo conto seja mais grotesco e bizarro, que haja mais sangue. É natural.

Nesse sentido, "O Vilarejo" funciona muito bem! Há sempre algo ainda mais estranho nas próximas páginas, e os contos são realmente bastante perturbadores, como histórias de terror devem ser. A escrita em si é muito boa, e a narrativa flui.


De maneira alguma desmerecendo o texto - porque é ótimo -, mas tenho de dar o destaque necessário ao projeto gráfico e às ilustrações. São todas ótimas, com um acabamento impecável e cores vivas. E todas passam claramente o clima sinistro do vilarejo, além dos macabros acontecimentos de cada conto. O ilustrador, Marcelo Damm, está de parabéns por seu trabalho, totalmente de acordo com o enredo e com desenhos capazes tanto de falar por si sós quanto complementar a narrativa. Como dá pra ver na imagem acima, as páginas finais dos contos, ou as que acompanham ilustrações, têm sempre respingos de "sangue", o que dá um diferencial bacana. Nas entradas de cada conto - que apresentam os nomes dos demônios relacionados aos sete pecados capitais -, as páginas pretas também ajudam a criar o clima.


Se for pra falar de algum aspecto negativo, com certeza é o fato de que o livro é muito curto. São apenas sete contos, e eles se distribuem de maneira uniforme nas 96 páginas que compõem o volume. Além dos muitos recursos gráficos, temos as ilustrações, e no final a quantidade de texto acaba sendo pequena. É claro que isso não diminui a qualidade do livro e das histórias, mas quando cheguei ao final, ficou a sensação de que poderia haver mais. Até porque esse algo a mais poderia ter sido utilizado para compor melhor o cenário, tão rico, mas pouco explorado.

Apesar disso, "O Vilarejo" é um pequeno livro de contos de muita qualidade gráfica e textual, com histórias que se complementam e geram um todo muito interessante. Há algumas reviravoltas marcantes, também, e cada conto tem um aspecto específico explorado, a partir dos sete pecados capitais. Com toda a certeza é recomendado, e fico na espera de outras bizarrices que o Raphael tenha a oferecer, porque a imaginação dele, aparentemente, é povoada por elas e todo outro tipo de coisa esquisita. E, nesse caso, isso é um elogio.

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Título: O Vilarejo
Autor: Raphael Montes
Editora: Suma de Letras
Nº de páginas: 96
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Nota: 4,1 de 5 estrelas




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Postado pelo Fabio

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0 comentários

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